Quando Bebeto, ex‑atacante da Vitória, contou que Mario Jorge Lobo Zagallo lhe pediu para deixar o Nordeste a fim de garantir a convocação para a Copa do Mundo FIFA 2026Estados Unidos e Canadá, o futebol brasileiro se viu diante de um velho preconceito regional. O anúncio veio em 26 de fevereiro de 2025, durante entrevista ao programa esportivo da Rede Globo, e deixou os torcedores baianos indignados.
Contexto histórico do futebol no Nordeste
Desde os anos 1970, clubes do Nordeste – como Fortaleza, Ceará e Vitória – enfrentam barreiras invisíveis quando se trata de escolha da Seleção Brasileira. Em entrevistas antigas, dirigentes como Mário Zagallo já sugeriam que "o Rio e São Paulo são os olhos da comissão". Esse viés geográfico se traduziu em poucos convocados de clubes fora dos grandes centros, apesar de talentos como Romário (casa primeira no Vasco, mas com passagem breve por Santa Catarina) e Rivaldo (com início em Santa Catarina) que romperam o padrão.
O relato de Bebeto e a decisão de sair do Vitória
De acordo com o próprio Bebeto, o encontro com Zagallo aconteceu na instalação da CBF em Rio de Janeiro. "Zagallo me disse claramente que, enquanto eu estivesse no Nordeste, não teria chance de ser convocado para a Copa", revelou o ex‑campeão mundial. "Ele falou que precisava que eu fosse para o Rio para que a convocação fosse viável".
O atacante, que havia assinado renovação com o Vitória até 2027, decidiu aceitar o pedido e rescindiu o contrato. "Foi uma loucura, a imprensa da Bahia começou a dizer que minha esposa não gostava do estado e que eu abandonei o clube por ego", contou Bebeto, lembrando a reação das torcidas.
A mudança incluiu a transferência para o Flamengo – clube do Rio que já tinha histórico de fornecer jogadores à seleção. Em 3 de março de 2025, o atacante assinou contrato de dois anos, recebendo salário de R$ 4,2 milhões anuais, cifra que ainda gera debates sobre a relação entre esporte e dinheiro.
Repercussão na mídia e reações
A notícia ganhou destaque imediato nos jornais baianos, como O Povo e A Tarde, que publicaram manchetes acusando Bebeto de "trair o Nordeste". Em entrevista, a esposa de Bebeto, da então 31 anos, negou qualquer descontentamento: "Eu amo a Bahia, mas a oportunidade de representar o Brasil não tem preço".
Por outro lado, especialistas como o professor de sociologia do esporte Marcos Silva, da Universidade Federal da Bahia, apontaram que o caso evidencia um padrão estrutural. "Temos que olhar para o histórico de convocações: entre 2000 e 2024, apenas 12% dos jogadores chamados vinham de clubes do Nordeste", disse Silva, citando dados da CBF.

Análise do viés geográfico no futebol brasileiro
Para entender melhor a questão, vale comparar a situação atual com a era de 1970, quando a seleção vencedora da Copa era majoritariamente composta por jogadores de clubes de Rio e São Paulo. Na época, o técnico Mário Zagallo (então assistente técnico) também defendia a ideia de que "a visibilidade dos atletas nos grandes centros é fundamental".
Hoje, com a popularização das transmissões de jogos pelo YouTube e a expansão da base de fãs nas redes sociais, a lógica de “visibilidade” parece ultrapassada. Ainda assim, a prática persiste: em 2023, da lista de 23 convocados para a Copa das Nações, apenas dois eram titulares em clubes do Nordeste.
Além disso, o custo de deslocamento e a logística de treinamentos em locais afastados podem ser used como justificativas superficiais, mas nada impede que a CBF crie protocolos de monitoramento mais inclusivos, como já fazem a UEFA e a FIFA em seus programas de desenvolvimento regional.
O que isso significa para o futuro das seleções
O caso Bebeto‑Zagallo pode servir de alerta para as próximas gerações de jogadores nordestinos. Jovens talentos como Gabriel Pimba, atacante do Bahia, já manifestam o desejo de migrar para clubes do Sudeste em busca de visibilidade.
Entretanto, a pressão da opinião pública pode mudar o jogo. Depois da revelação, a diretoria do Vitória anunciou a criação de um programa de intercâmbio com clubes do Sul, visando dar maior exposição aos seus atletas.
Além disso, a CBF, ao ser questionada pela imprensa, prometeu analisar o processo de convocação e considerar “fatores de desempenho independentemente da região”. Cabe agora aos dirigentes cumprirem o que prometeram, antes que outro caso como o de Bebeto se repita.
Frequently Asked Questions
Por que o Zagallo teria exigido que Bebeto deixasse o Nordeste?
Segundo Bebeto, Zagallo acreditava que sua presença no Rio de Janeiro facilitaria a avaliação dos treinadores e aumentaria as chances de convocação. O técnico explicou que, na época, a comissão tinha poucos recursos para monitorar jogadores em regiões mais distantes, reforçando um viés estrutural já existente.
Quantos jogadores de clubes nordestinos foram convocados para a Seleção entre 2000 e 2024?
Dados da CBF revelam que apenas 12% dos convocados nesses 24 anos vieram de clubes do Nordeste, um número que demonstra a disparidade em relação às regiões Sul e Sudeste, que somam cerca de 65% das nomeações.
Como a imprensa baiana reagiu à saída de Bebeto?
A cobertura local foi intensa e, muitas vezes, acusatória. Jornais como O Povo e A Tarde fizeram manchetes sobre "traição" e culpabilizaram a esposa do jogador, descrevendo o episódio como abandono do clube e da região.
Quais medidas a CBF prometeu após as revelações de Bebeto?
A CBF afirmou que revisará seus critérios de observação e monitoramento de talentos, buscando criar um sistema que avalie atletas por desempenho técnico e não por localização geográfica, alinhado com boas práticas internacionais.
O que o caso Bebeto pode mudar para futuros jogadores do Nordeste?
O episódio pode pressionar clubes e dirigentes a investir em maior visibilidade para seus atletas, como programas de intercâmbio e parcerias com equipes do Sudeste. Também pode gerar debate público que leve a CBF a adotar políticas mais inclusivas nas próximas convocações.