Câmara aprova proibição de voto a presos provisórios, desafiando Constituição e direitos civis

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Câmara aprova proibição de voto a presos provisórios, desafiando Constituição e direitos civis
Adrielle Estheffane nov 20 2025 0

A votação que pode tirar o direito de voto de mais de 6 mil presos provisórios no Brasil foi aprovada na noite de terça-feira, 18 de novembro de 2024, na Câmara dos Deputados, com 349 votos a favor, 40 contra e uma abstenção. A emenda, apresentada pelo deputado Marcel van Hattem (Novo-RS), altera o Código Eleitoral para barrar o voto de qualquer pessoa sob custódia — mesmo sem condenação definitiva. A medida, inserida no PL Antifacção, desafia um princípio fundamental da Constituição de 1988: a presunção de inocência. E o mais surpreendente? Enquanto o Congresso aprova a proibição, seis estados já não permitem esse voto há anos — e o Distrito Federal não tem sequer um preso provisório habilitado a votar.

Um direito que a Constituição garante — e a Câmara quer tirar

Desde a redemocratização, a Constituição brasileira sempre protegeu o direito de voto dos presos provisórios. A lógica era simples: ninguém é culpado até que uma sentença transitada em julgado o declare. Mas agora, a emenda de Van Hattem afirma que "o voto é expressão da plena cidadania, pressupõe liberdade e autonomia de vontade, condições inexistentes durante a custódia". A justificativa soa moralista, mas esconde um problema maior: o Estado não está negando o voto por culpa, mas por prisão — e isso é diferente. A emenda também garante que a suspensão não é uma pena antecipada, mas o efeito prático é exatamente esse: quem está preso, mesmo que inocente, perde o direito político. E isso, para especialistas, é um retrocesso. O Supremo Tribunal Federal já protegeu esse direito em decisões anteriores. Será que vai deixar passar agora?

Seis estados já fazem isso — e o Brasil está dividido

O levantamento da Agência Brasil, com dados do Tribunal Superior Eleitoral e da Secretaria Nacional de Políticas Penais, revela uma realidade fragmentada. Enquanto o Congresso discute uma regra nacional, a prática é desigual. Os estados do Acre, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Rondônia, Roraima e Tocantins, além do Distrito Federal, não têm presos provisórios votando. Mas por quê? Não é falta de presos. É falta de infraestrutura, de vontade política, de logística. Enquanto isso, em São Paulo, há 2.562 presos provisórios com título de eleitor — e mais de 35 mil presos em geral. O Espírito Santo, com 857 eleitores presos, é o único estado onde mais de 10% dos votos em seções especiais vêm de pessoas detidas. Isso não é um acidente. É um sistema que funciona — mesmo que mal.

Os números que ninguém quer ver

O Brasil tem mais de 100 mil presos provisórios. Seis estados têm mais de 10 mil cada: Rio Grande do Sul (11.154), Paraná (11.804), Pernambuco (12.243), Rio de Janeiro (16.724), Minas Gerais (24.045) e São Paulo (35.630). E mesmo assim, só quatro estados têm mais de 500 desses presos registrados como eleitores. Por que? Porque o processo de habilitação é lento, burocrático e, muitas vezes, ignorado. A Secretaria Nacional de Políticas Penais reconhece que há falhas de comunicação entre tribunais e presídios. "As secretarias precisam compartilhar dados", diz Lanzellotti, especialista citado pelo O TEMPO. Mas ninguém está fazendo isso de verdade. E agora, em vez de melhorar o sistema, o Congresso quer simplesmente apagá-lo.

Quem votou contra — e por quê

A aprovação foi liderada por partidos de centro e direita, com apoio da maioria dos líderes partidários. Mas houve resistência. O Psol, a Rede Sustentabilidade e os partidos da coalizão governista — incluindo o PT — se opuseram. O relator do projeto, Guilherme Derrite (PP-SP), disse que a medida reduz custos e riscos operacionais. Mas será que é só isso? O custo de instalar uma seção eleitoral em um presídio é de cerca de R$ 12 mil — um valor irrisório se comparado aos R$ 2,3 bilhões gastos com a logística das eleições de 2022. O que está em jogo não é dinheiro. É poder. E o poder de decidir quem é cidadão — e quem não é.

O que vem a seguir? O Judiciário pode derrubar tudo

O que vem a seguir? O Judiciário pode derrubar tudo

A emenda ainda precisa passar pelo Senado Federal. Lá, pode ser alterada — ou até bloqueada. Se for aprovada na forma atual, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode vetar. Mas mesmo se for sancionada, o Supremo Tribunal Federal pode derrubá-la por inconstitucionalidade. O STF já decidiu em 2015, em caso semelhante, que a privação de direitos políticos só pode ocorrer após condenação definitiva. A emenda de Van Hattem é um teste direto a essa jurisprudência. E se o Supremo não agir? O risco é de que milhões de presos provisórios — muitos deles pobres, negros, sem acesso a boa defesa — sejam excluídos da democracia por pura burocracia e preconceito.

Os jovens e o voto que nunca chegou

Curiosamente, jovens em medidas socioeducativas — mesmo presos — ainda podem votar. Mas a realidade é que poucos o fazem. A logística é ainda pior do que nos presídios adultos. Muitos centros de internação nem têm cadastro eleitoral. E mesmo quando têm, a orientação é quase nula. O sistema não quer que eles votem. Não por lei, mas por negligência. E agora, com a aprovação da emenda, o sinal enviado é claro: se você está preso, não é cidadão. E isso, para muitos, é o pior dos retrocessos.

Frequently Asked Questions

Por que a emenda contradiz a Constituição brasileira?

A Constituição de 1988 garante que apenas cidadãos com sentença penal transitada em julgado perdem direitos políticos. A emenda proposta pelo PL Antifacção extingue o voto mesmo para presos provisórios — que ainda não foram condenados —, violando o princípio da presunção de inocência, um dos pilares do Estado Democrático de Direito. O Supremo Tribunal Federal já reforçou esse entendimento em decisões anteriores, e a nova regra pode ser derrubada por inconstitucionalidade.

Quais estados já não permitem voto a presos provisórios e por quê?

Seis estados — Acre, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Rondônia, Roraima e Tocantins — e o Distrito Federal não têm presos provisórios habilitados a votar, não por lei, mas por falhas logísticas e falta de iniciativa. O Tribunal Superior Eleitoral registra que, em muitos casos, os presídios não enviaram listas de eleitores ou não organizaram seções especiais. O problema não é a ausência de presos, mas a inércia do sistema eleitoral.

O que motiva a proposta de Marcel van Hattem?

Van Hattem argumenta que o voto exige liberdade e autonomia, condições que não existem na prisão. Mas especialistas apontam que essa justificativa é moralista e ignora a realidade: muitos presos provisórios são inocentes, presos por falta de fiança ou por processos lentos. A proposta, na prática, criminaliza a pobreza — já que a maioria dos presos provisórios são pessoas de baixa renda sem condições de pagar por liberdade provisória.

Como a aprovação da emenda afeta as eleições futuras?

Se a emenda for sancionada, até 6.000 eleitores — e potencialmente mais — serão excluídos das próximas eleições. Isso pode alterar resultados em municípios com altos índices de prisão provisória, como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. A exclusão também enfraquece a legitimidade do processo eleitoral, ao desconsiderar a voz de uma parcela da população que, mesmo detida, continua parte da sociedade.

O que os especialistas dizem sobre o custo da logística eleitoral nos presídios?

O custo médio para instalar uma seção eleitoral em um presídio é de cerca de R$ 12 mil — menos de 0,001% do total gasto com eleições em 2022. O argumento de que a medida reduz despesas é frágil. O verdadeiro obstáculo é a falta de coordenação entre tribunais eleitorais e sistemas prisionais. Em vez de resolver a burocracia, o Congresso optou por eliminar o direito — uma solução fácil, mas profundamente injusta.

O que pode acontecer se o Senado aprovar a emenda?

Se o Senado mantiver a emenda, o presidente Lula pode vetar — e isso seria historicamente significativo. Mas mesmo se for sancionada, o Supremo Tribunal Federal tem potencial para derrubá-la por inconstitucionalidade. O STF já protegeu o voto de presos provisórios em 2015, e a nova regra entra em conflito direto com a Constituição. A batalha jurídica está apenas começando.

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Adrielle Estheffane

Sou jornalista especializada em notícias diárias do Brasil. Gosto de explorar e escrever sobre eventos atuais e suas implicações na sociedade. Minhas reportagens buscam informar e provocar reflexão nos leitores, sempre com um olhar crítico e detalhado.